“Por que estamos fazendo isso, se não conseguimos fazer um ótimo jogo? ”
No começo da produção de qualquer jogo os desenvolvedores buscam fazer algo excelente. Mas, por inúmeras razões, muitos deles acabam se distanciando deste objetivo. Após o lançamento do jogo Tomb Raider Underworld, a equipe de desenvolvedores da Crystal Dynamics estava focada numa tarefa que muitos disseram ser impossível: reinventar Tomb Raider e sua heroína, Lara Croft, de forma a atrair o jogador moderno. Duas coisas eram certas: uma é que o jogo se passaria numa ilha e a outra que se chamaria Tomb Raider.
Este artigo aborda a intenção da Crystal Dynamics em reiniciar a franquia Tomb Raider e as ideias descartadas até que a empresa tivesse a visão correta sobre o futuro da série.
UMA ASCENSÃO AMALDIÇOADA
Como alguém encontra o equilíbrio entre as tradições de uma franquia e a necessidade de uma mudança drástica? Esta era a questão que pairava no começo de 2009 na Crystal Dynamics. Tomb Raider já possuía uma base de fãs leais, mas todos sabiam que a jogabilidade estava defasada. Seja com um modo de combate ultrapassado, quando comparado aos jogos modernos, e até mesmo uma Lara Croft que está próxima de uma paródia.
Mas antes de reiniciar a franquia, eles queriam tentar algo novo e radical: um jogo em menor escala lançado via download. Assim como é feito com os curtas da Pixar, a intenção era de forçar a equipe a atingir o nível máximo de qualidade e inovação, mas numa escala menor. Construído em apenas um ano, Lara Croft and the Guardian of Light foi a primeira tentativa da equipe com modo multiplayer. O jogo teve uma boa recepção do público e da crítica, trazendo mais credibilidade para a franquia e para a Crystal Dynamics.
O nome Tomb Raider jamais apareceu em Guardian of Light e havia uma razão para isso: A Crystal Dynamics estava guardando o nome para o próximo projeto, que internamente era conhecido como Tomb Raider 9 ou Tomb Raider Ascension. A ideia era ter uma abordagem diferente de uma aventura de Lara Croft e foi exatamente isso que fizeram.
Nas primeiras reuniões, a equipe começou a pensar em outros jogos que poderiam servir de inspiração para esta nova abordagem. O toque emocional de Ico, o survival horror de Resident Evil e as criaturas míticas de Shadow of Colossus, serviram de inspiração. Na primeira abordagem, Lara Croft se juntaria a uma menina de 6 anos de idade chamada Izumi (que significa fonte em japonês) e elas se aventurariam por uma misteriosa ilha habitada por fantasmas e monstros. Izumi se agacharia por lugares pequenos para ajudar o jogador, criando uma jogabilidade assimétrica. Mais tarde o jogador iria descobrir a habilidade mágica de Izumi de manipular a água e interagir com a ilha.
Depois de alguns meses de trabalho, o conceito foi considerado muito etéreo e difícil de entender como Tomb Raider. Izumi foi tirada de cena e foi, inicialmente, substituída por um macaco. Mas isso também não funcionou e então ambos foram substituídos por uma presença mais ameaçadora: monstros colossais. Nesta segunda passagem, Lara Croft iria batalhar contra esses monstros montada num cavalo enquanto eles atiravam arvores numa sequência de batalha similar à God of War.
Esta nova abordagem também não funcionou, e então os monstros colossais deram lugar a uma esfera de horror, com criaturas similares a zumbis que vagariam por uma ilha coberta pela névoa. Seria esta nova abordagem melhor ou apenas diferente? Ninguém tinha certeza.
MEDOS E INCERTEZAS
Preocupada com a forma que o público reagiria a um Tomb Raider de horror, a equipe encomendou uma série de testes online nos Estados Unidos e Inglaterra para ver como o público reagiria a este conceito inicial. O que deveria ser confidencial, no entanto, se tornou público, quando um dos participantes vazou as imagens e detalhes do jogo na internet durante o inverno de 2009. Os fóruns rapidamente atingiram milhares de comentários com fãs chocados com um jogo que se parecia mais com Resident Evil ou Silent Hill do que Tomb Raider. Outros teriam que um jogo situado completamente numa ilha abandonaria as viagens pelo globo, marca registrada da série.
A equipe estava preocupada. Os testes de reação confirmaram seu maior medo. Numa das reuniões, um dos chefes da equipe falou: “Levante sua mão se você acredita que o que estamos fazendo é bom. ” Ninguém levantou.
Na verdade, o reboot de Tomb Raider sofria por buscar muitas ideias e conceitos que eram resultado de uma tentativa muito brusca do time em ser diferente. O que é pior, a falta de clareza na direção criativa mostrou que a equipe perdeu quase um ano construindo novas ferramentas e experimentando novas ideias de jogabilidade, mas ainda não possuía um jogo para mostrar seus esforços.
NASCE UMA SOBREVIVENTE
Depois de várias semanas de trabalho, a equipe da Crystal Dynamics finalmente veio com uma ideia definitiva: sobrevivência. Ao invés de contar a história de uma heroína de ação durona, porque não contar uma história de origem mais intensa, mais pessoal e mais desconfortável? Além de permitir novas mecânicas no jogo, a ideia de sobrevivência combinaria com a história e todo o marketing para mostrar uma Lara Croft diferente e mais humana. Mas como garantir que o jogo ainda seria divertido? A resposta foi simples: não se trata de sobrevivência, como caçar para comer e beber a própria urina, mas sim Ação de Sobrevivência. O conceito de sobrevivência e sacrifício se tornariam então peça chave no design do jogo. A frase ‘Nasce uma sobrevivente’ foi inspirada pelo filme 127 horas, onde o alpinista Aron Ralston amputa seu próprio braço após dias preso em uma rocha.
Tomb Raider foi oficialmente anunciado em dezembro de 2010 na capa da revista Game Informer, trazendo a nova Lara Croft na capa e alcançando cerca de 8 milhões de leitores. Por dentro, o plano de reinício da franquia detalhado e com a história de origem de Lara, começando com ela encalhada numa praia após o navio que ela viaja ter afundado devido a uma grande tempestade. Apesar de todos os detalhes e imagens reveladas tenham se baseado na ‘Demo do Covil’, que mais tarde foi apresentada na E3, a boa recepção do público foi o impulso que a Crystal Dynamics precisava para passar os próximos 18 meses construindo o restante do jogo. A demo funcionou, mas a equipe precisava agora focar na história, nos inimigos e no combate. De certa forma, a caverna era um prólogo e agora era necessário construir o jogo de verdade.
Tomb Raider pode ser definido com uma história de sobrevivência, mas também é uma história de fuga e renovação. Os sobreviventes de Yamatai estão desesperados para se libertar de suas garras e reverter a tradição secular do governo de Himiko. Algo que se assemelha a história da Crystal Dynamics, uma equipe que estava desesperada para romper com a história da franquia e inventar algo novo. Para fazer isso, eles viveram uma jornada de quatro anos com as chances de sucesso não maiores do que a de uma sobrevivente trilhando seu próprio caminho. O caminho foi desafiador e cheio de erros, mas enfim, a Crystal Dynamics entregou um jogo que mistura o Tomb Raider já conhecido com uma visão de onde ele pode ir no futuro. Lara Croft voltou e a Crystal Dynamics também.
A parte textual deste artigo, bem como parte de suas imagens e vídeos, foi extraído do aplicativo The Final Hours of Tomb Raider.
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